Mario de Sa-Carneiro – Taciturno

Ha Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais—
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d’Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.

Heraldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Bazilicas de tédio, arnezes de crispado,
Insignias de Ilusão, troféus de jaspe e Outubro…

A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou—embalde a tentarão descer…
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer—
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido…

Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trôno a espessas densidades,
Onde os pânos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redór, ansias lassas, absortas…

Ha rôxos fins de Imperio em meu renunciar—
Caprichos de setim do meu desdem Astral…
Ha exéquias de herois na minha dôr feudal—
E os meus remorsos são terraços sobre o Mar…

Paris—Agosto de 1914