À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melhoria do Estamento Cristão
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[editar] Resenha
[editar] I – Introdução
Esta obra está fundamentada nos três dos princípios do Luteranismo:
- a supremacia da Palavra de Deus, considerando-a como única e suficiente regra de fé e prática;
- a supremacia da graça de Cristo, isto é, a justificação pela fé somente;
- o sacerdócio de todos os crentes, ou seja, os leigos têm o direito e o dever de ter e ler a Bíblia e participar no governo da Igreja, podendo também dirigir-se a Deus diretamente.
Desta forma, me proponho a buscar no texto examinado idéias e proposições que confirmem as três afirmações anteriores procurando sempre apresentar o(s) versículo(s) bíblico(s) que as confirme(m) além de articular sempre que possível com a parte do livro de Quentin Skinner “Los Fundamentos del Pensamiento Politico Moderno” que refere-se ao assunto que aqui está sendo estudado. É muito importante salientar ainda, a influência inquestionável dos escritos de Santo Agostinho e de São Paulo na edificação de toda a obra de Martinho Lutero.
[editar] II – A Autoridade da Sagrada Escritura (Sola Scriptura)
A autoridade da Bíblia é ponto chave nos escritos de Lutero. É através deste argumento que a autoridade do papa (e por conseguinte, suas atitudes) poderá ser questionada. Tendo como base seu grande conhecimento das Sagradas Escrituras Cristãs Lutero teria enxergado a gritante discrepância entre a Igreja Cristã de seu tempo e a descrita na Bíblia e a partir disso foi aos poucos formulando as doutrinas que ele acreditava serem a transliteração dos princípios vividos pelos cristãos primitivos. Esta crença de Lutero encontra-se apoiada principalmente nos escritos de São Paulo que também conferia tamanha autoridade às Escrituras, pois afirma em uma de suas epístolas:
“Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça”. Segunda Epístola de São Paulo a Timóteo capítulo 3, verso 16
Desta maneira renuncia toda autoridade da tradição humana (isto é, de tudo aquilo que negasse os ditames bíblicos ou ao menos tivesse a pretensão de igualar-se ou sobrepor-se a eles) declarando abertamente em uma parte do texto: “...a lei de Deus...está muito acima da lei do papa". O direito canônico que era praticamente a base de toda a religião católica é desta forma atacada e há momentos em que Lutero no texto afirma que este apesar de perante Deus não ter valor algum (pois ele chega a desaconselhar que suas prescrições sejam observadas) era muito considerado e estudado em detrimento da própria Escritura que por sua vez era totalmente deixada de lado. Em contrapartida afirma categoricamente Lutero “a lei e o estamento cristão podem subsistir muito bem sem as insuportáveis leis do papa”. E chega até a radicalizar: “O regimento dos apóstolos e do papa rimam tanto quanto Cristo e Lúcifer, céus e inferno...” isto principalmente devido a outra de sua afirmações: “Tu [o papa] forças e distorces a Escritura a teu bel-prazer”. Já encerrando esta parte, é interessante como Martinho Lutero coloca que a partir do batismo, o cristão torna-se livre e sujeito somente à palavra divina, isto apoiado novamente nos escritos de São Paulo:
“Para a liberdade Cristo nos libertou; permanecei, pois, firmes e não vos dobreis novamente a um jogo de escravidão.” Epístola de São Paulo aos Gálatas capítulo 5, verso 1
[editar] III – A Justificação pela fé (Sola Gratia / Sola Fide)
Este talvez seja um dos temas mais complexos dentro da teologia de Lutero porém menos discutido do que os outros dois dentro deste texto. Em um de seus tratados sobre a Epístola de São Paulo aos Romanos é que Martinho começa a perceber este ensinamento:
“Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.” Epístola de São Paulo aos Romanos capítulo 1, versos 16 e 17
Mas é outro texto do mesmo Apóstolo que melhor define e apresenta a mesma idéia:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie.” Epístola de São Paulo aos Efésios capítulo 2, versos 8 e 9
Esta doutrina ensina que o homem pecador não tem qualquer esperança de salvação através de seu próprio esforço. Logo a graça divina aponta ao homem pecador que ele pode ser justificado através da fé somente. Defendendo a proibição de se criar ou fundar novas ordens religiosas, Lutero faz apologia à fé em Cristo, que como ele fala “é o único e principal bem e subsiste independentemente de qualquer ordem”. Sua preocupação era que as pessoas confiassem mais sua salvação às obras do que à fé, experiência que vista diante de sua concepção, seria iminentemente frustrada. Outro ponto importante no texto é quando Martinho Lutero faz alusão à graça tendo como contraponto a venda de indulgências quando diz: “...o papa te desvia das dádivas divinas, que tens gratuitamente, para te levar às dádivas dele, que tens que comprar...”. Assim procura mostrar novamente a incoerência entre as atitudes do papa ou dos dirigentes da Igreja em geral diante do que a Escritura apontava como verdade. Quentin Skinner, que também coloca a justificação sola fide como núcleo da teologia de Lutero faz importantes colocações a este respeito. Além das conclusões mais simples como as tiradas acima, ele nos coloca a importância do significado do sacrifício de Cristo na engrenagem de todo esta concepção teológica, pois é através disso que Ele que transmite aos homens o conhecimento da graça redentora de Deus e somente através dele é que poderia o homem atingir a salvação. Uma definição feliz a respeito desse ponto de vista, o próprio Skinner nos dá, dizendo que Cristo é o Único Pregador, e o único Salvador, que não somente quita a carga da nossa indignidade moral, mas também sere como fonte e conteúdo do fiel conhecimento de Deus. Desta forma, a não necessidade da Igreja (ou seja, de intermediários) para a salvação do indivíduo (esta depende conjuntamente da graça de Deus e da fé da pessoa) estará intrínseca a esta doutrina, o que se torna a ponte para o próximo tópico.
[editar] IV – O Sacerdócio Universal dos Crentes
Este último tópico é resultante do anterior e parte da seguinte premissa: Cristo com o seu sacrifício deu ao pecador justificado acesso a Deus, portanto é o único e suficiente mediador entre as esferas divina e humana:
“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual se deu a si mesmo em resgate por todos, para servir de testemunho a seu tempo” Primeira Epístola de São Paulo a Timóteo capítulo 2, versos 5 e 6
Martinho Lutero propõe ainda que qualquer cristão pode e deve procurar interpretar a Bíblia (razão pela qual ele traduz entre 1521-23 a Bíblia para o alemão) colocando em xeque a reivindicação do papa como único interpretador ou confirmador de qualquer interpretação. Martinho chama essa pretensão do chefe da Igreja Romana de “fábula desaforadamente inventada” (pág. 286). Segundo Lutero, quem pode dar a verdadeira interpretação da Sagrada Escritura é unicamente o Espírito Santo, citando uma passagem do Novo Testamento na qual Jesus diz:
“E serão todos ensinados por Deus.” Evangelho Segundo São João capítulo 6, verso45
Com estas afirmativas Martinho Lutero esvaziava o papel do sacerdote e colocava cada crente como um “sacerdote de si próprio” já que todos a partir desta consciência poderiam chegar-se a Deus sem medianeiro algum senão o próprio Cristo. O próprio Skinner reitera esta idéia colocando justamente que esta ilação remete ao cristão individual tendo por base sua fé na graça redentora de Deus.
[editar] V – Conclusão
É de suma importância reconhecer que todos as discussões acima refletem indiscutivelmente no campo político já que abala as estruturas da Igreja Católica que era até período praticamente hegemônica diante das nações constituintes da cristandade. Nota-se que o pensador Martinho Lutero, desempenhou com seus escritos um papel de máxima relevância e influência histórica cujos atos desencadearam mudanças profundas que ainda refletem à nossa realidade.
