Afonso Sanches
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D. Afonso Sanches (1289-1329) era filho bastardo (depois legitimado), e predilecto de D. Dinis. Por outras razões com certeza, mas também porque a rainha Rainha Dona Isabel chamou para a corte todos os filhos do rei, mesmo os bastardos, proporcionando-lhes igual qualidade de educação, D. Dinis dedicava a D. Afonso Sanches um carinho todo especial, a ponto de lhe entregar o cargo de mordomo da coroa, o que o fazia uma espécie de primeiro-ministro, em linguagem actual. O facto provocou violentos ciúmes por parte do legítimo herdeiro do trono, o futuro D. Afonso IV, tendo daí resultado guerra civil (1319-24) e ainda uma tentativa de invasão do reino (1326), liderada por D. Afonso Sanches então exilado em Castela.
D. Afonso Sanches foi senhor de Albuquerque, na Extremadura espanhola, tendo lá construído um castelo, onde mais tarde D. Inês de Castro viveu vários anos. Como seu pai, distinguiu-se também como trovador. Deve-se-lhe a ele e à sua esposa, D. Teresa Martins, a fundação do Convento de Santa Clara de Vila do Conde, onde ambos estão sepultados. Em 1722, foi aberto o processo de beatificação deste casal. Na altura, o franciscano Fr. Fernando da Soledade escreveu um livro a atestar as suas virtudes; intitula-se Memória dos Infantes.
D. Afonso Sanches foi também um trovador de mérito. O espólio poético que dele chegou até nós encontra-se no Cancioneiro da Biblioteca Nacional e no da Vaticana, e compõe-se de 15 poemas: uma paralelística perfeita, uma outra cantiga de amigo constituída por uma só estrofe, nove cantigas de amor, uma tenção e três cantigas de escárnio. Várias destas cantigas são muito fragmentárias. Afonso Sanches não tem sido muito valorizado como trovador e já se escreveu, por exemplo, que só poetava «para alardear prendas de corte». Além disso, o trabalho dos copistas prejudicou-o bastante, como se pode verificar pela comparação das versões das cantigas que possuímos. O recente Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa (org. e coord. de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani, Caminho, Lisboa, 1993) traz contudo um artigo onde ele alvo de uma apreciação francamente positiva. Senão veja-se:
«A obra poética de Afonso Sanchez apresenta características das mais singulares dentro do âmbito da lírica galego-portugesa.»
Ou então:
«As nove líricas d’amor inscrevem-se, quanto à textura formal, no número das mais requintadas do género, como exemplos de cantigas de mestria à maneira provençal. Com efeito, os temas, a estrutura métrico-estrófica e a retórica revelam um poeta culto e conhecedor da tradição poética, embora capaz de variações por meio do registo irónico que, na última cantiga, adquire um aberto carácter de troça do formalismo trovadoresco.»
Realmente, Afonso Sanches tem várias cantigas de amor de grande qualidade; são ainda de perfeição indiscutível a sua tenção com Vasco Martins de Resende, um dos seus escárnios de amor e a paralelística que traz a sua assinatura.
O seu tema quase único é o amor. Um amor no geral sem correspondência, apesar da grande coita que provoca, da sinceridade e empenho com que o vive o trovador. Compreenvivelemente, o núcleo principal da sua obra é constituído pelas cantigas de amor.
A cantiga de amor era uma forma bastante fixa, em certo sentido comparável ao soneto. Até no tamanho. Mas ao contrário dele, que era muito fixo ao nível de versificação e muito livre em relação ao tema, esta cantiga era bastante fixa relativamente ao tema e oferecia certa margem de liberdade ao nível da versificação.
Afonso Sanches tem várias cantigas dentro do esquema da cantiga de amor ao modo provençal; mas tem outras, ditas fragmentárias, que com bastante clareza se afastam dele. As primeiras são em três estrofes de versos decassilábicos, de mestria ou de refrão, de ata-finda ou não, com finda ou sem ela. O trovador mostra saber tirar partido do enjambement, do dobre, dos paralelismos e outras repetições, denotando notável versatilidade, nascida do seu domínio da técnica da cantiga e duma assinalável cultura poética.
Tematicamente, estas cantigas insistem no serviço amoroso. Como é da convenção, o poeta assume uma atitude de grande humildade frente à senhor, que, no seu caso, parece ser sempre solteira – refere uma vez «huna donzela que ey por Senhor», outra vez «a donzela/ por que trobei» e, numa cantiga fragmentária de amigo, menciona-se «a donzela por que sempre trobou» certo apaixonado. Tece-lhe o elogio, mas um elogio genérico, sem particularização nem sequer ao nível psicológico-moral, quanto mais a nível físico, como era da norma. O trovador pode dirigir-se à senhor, declarar-lhe a sua «coita mortal», pode defender-se de «muitos» que lhe assacam que ele está a receber favores da amada, mas é sempre uma retórica à volta de uma paixão que não se consuma. Estes poemas originalmente seriam de grande perfeição formal; nas versões em que chegaram até nós, apresentam às vezes falhas que desmotivam a leitura.
As cantigas a que chamam fragmentárias – apesar de, em termos temáticos, terem um evidente fechamento e de as suas estrofes obedecerem, quase sem excepções, ao mesmo esquema rimático e métrico - são, em certo sentido, mais convincentes.
D. Afonso Sanches casou com D. Teresa Martins (de Menezes), que foi 5ª senhora de Albuquerque e filha do 1º Conde de Barcelos, D. João Afonso de Menezes, casado com uma bastarda do Rei de Castela, Sancho IV o Bravo. Desse casamento nasceu D. João Afonso de Albuquerque, chamado o do Ataúde, que foi 6º senhor de Albuquerque (Espanha)
