Usuário:Maitreya
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Quero Dizer Ao Papa João Paulo II
Quem Foi Nhá Chica!
DISCURSO DE MARCO AURÉLIO RODRIGUES DIAS AO POVO CATÓLICO DO BRASIL, AOS CARDEAIS DA SANTA SÉ, AO CLERO BRASILEIRO E A TODOS OS DEVOTOS DE SANTA NHÁ CHICA.
Caríssimos Irmãos em Deus pai, quero convidar todo o clero para nos colocarmos diante da famosa caridade de Santa Nhá Chica, em Baependi, em Caxambu, em Soledade de Minas, em São Lourenço... Quero também que a Santa Sé entenda a razão pela qual peço tão insistentemente a beatificação de Nhá Chica e de graça. A pobrezinha definia-se a si mesma como uma mulher que apenas orava pelos que pediam suas orações, e que Nossa Senhora da Conceição fazia o favor de ouvir. Ela não tinha nenhum prestígio na igreja e era sim submissa aos outros, aos fazendeiros, às damas da sociedade. Era discriminada! Ela se considerava uma pessoa simples e sem grandes pretensões. E assim queria ser tratada. Era uma santa. Ora, os santos sempre se consideraram gente simples, gente do povo, amigos da plebe.
Antes de mais nada devo dizer a todo o clero que Francisca de Paula e suas companheiras de oração eram iletradas. Mas se não conheciam as Escrituras, conheciam pelo menos o Espírito Santo. Todavia aquele que conhece o Espírito Santo sabe mil vezes mais do quem apenas vive no convento e lê mil vezes toda a Bíblia. Santa Nhá Chica freqüentou muito as missas e conseguiu deveras uma grande familiaridade com as Escrituras Sagradas. Havia gente que lia a Bíblia para Nhá Chica. Ela, porém, nem precisava disso porque Nossa Senhora devia ensinar-lhe muitas coisas que a Escrituras não ensinam. Ela possuía um espírito aberto para aprender e era formada na escola da vida.
Pelo fato de ser despojada dos ideais materiais, Francisca de Paula de Jesus Isabel subiu na escala social da época. Inclusive pessoas da corte do Imperador D. Pedro II visitavam a casa de Nhá Chica atrás de orações. As biografias antigas dizem que ela via coisas que estavam por acontecer. Mas não se julgava importante e nem queria sê-lo. Se as damas da sociedade não a aceitavam ela continuava seu caminho sem mágoa e ainda as perdoava. Não se importava quando as pessoas riam dela por ser negra e filha da ex-escrava Isabel. Agüentava as asperezas da vida e as humilhações que lhes eram impostas pelos homens e pela escravidão. Mas também a pobrezinha era iluminada e não queria desfilar na passarela da vida. Como católico sei que o clero tem cabeça dura e que erra muito. Mas não é possível que depois dessa triste história que estou contando a Santa Sé ainda pense em cobrar tanto dinheiro pela liberação da beatificação da santinha de Baependi!
Os Cardeais do Vaticano precisam saber que Santa Nhá Chica quis viver o Evangelho de Jesus Cristo. E viveu. Compreendeu que a pobreza é exaltada pelo Evangelho e que só a nobreza do desapego (que é um tipo de santidade) ilumina. A riqueza, a busca excessiva de bens materiais, representa a ganância, e essa predisposição é a causadora dos males que estão corroendo as bases da sociedade. E a Igreja tem uma grande parcela de culpa nos males que afligem a humanidade atualmente.
Quando eu quis dar um nome aos devotos de Santa Nhá Chica que vivem no sul de Minas Gerais não encontrei um termo melhor do que o de franciscanos leigos. Os que desejam efetivamente ser devotos de Santa Nhá Chica devem ter antes de mais nada a vocação para a caridade e a liberdade de ir direto a Deus ou a Nossa Senhora. A pessoa que tem medo das hierarquias religiosas não pode ser livre e está sujeita as suas depravações. Jesus Cristo nos deu exemplo de bravura e não de fraqueza! A Igreja sempre pensa errado e foi por isso que promoveu a Inquisição, abençoou a Escravidão, perseguiu muitos santos, queimou muitos deles como Joana D’Arc nas fogueiras e continua hoje machista em relação as freiras. Precisamos de um Clero capaz de promover as reformas da Igreja. A Igreja, hoje, com todo o respeito que merece, é muito conservadora. Ela não compreendeu os novos tempos. Manteve-se com as bases de uma Igreja da Idade Média. Protegeu a desigualdade, o machismo e a ignorância.
Por isso quero que todo o clero do Brasil e do mundo medite no modo de vida que Santa Nhá Chica levou, ela que sempre desejou vivenciar a palavra de Jesus: “Eu sou manso e humilde de coração”, como foram todos os santos em todos os tempos. Santa Nhá Chica contemplava a covardia que fizeram com Cristo Leigo pregando-o na cruz e comparava com a covardia que o Estado e a Igreja faziam com os escravos negros. Acercou-se, portanto, do Jesus Cristo humilde, discriminado, pobre como ela, leigo como ela.
A pobrezinha de Baependi contemplava a sua pele negra e sentia-se desprezada. Via a desvantagem social em ser negra. Via-se cercada por damas brancas, preconceituosas e alimentava-se pela devoção eterna à Virgem Maria. Em Baependi, Santa Nhá Chica passou quase toda a sua vida. E era uma simples artesã (ela fazia bordados) submissa a Maria Santíssima e a Deus. Trabalhou modestamente construindo uma capela para sua Sinhá. Queria trabalhar com suas próprias mãos e não ficou pensando nas suas unhas e nos seus cabelos.
A paixão de Santa Nhá Chica pelos pobres era semelhante a de Jesus Cristo. Ela ficava impressionada com o espetáculo de humildade e de dor dos negros e dos mendigos - esse povo desprezado, sem direitos, desfeito em dores - vítimas da escravidão e da maldade da sociedade branca. Certa vez Santa Nhá Chica estava sozinha na igreja Matriz de Baependi. Chorava e lamentava-se em voz baixa contra a escravidão. Monsenhor Marcos Nogueira, que era vigário da paróquia de Baependi, pensou que ela sofria de alguma dor e perguntou-lhe porque chorava. Então Santa Nhá Chica respondeu: “Choro a escravidão do meu povo!”
Além de seu testemunho contra a injustiça histórica da escravidão no Brasil, os cardeais da Santa Sé devem saber também que Nhá Chica tem um ensinamento que vai na direção das verdades ensinadas pelo leigo Jesus: Ela perdoou todas as pessoas que lhe fizeram mal, que a discriminaram, e concentrou toda a sua atenção no pedido que Maria Imaculada lhe fizera: Uma capela no alto do Cavaco, em Baependi, e a essa obra Santa Nhá Chica dedicou todo o resto da sua vida.
Ela nos fala, com seu modelo de vida, da necessidade de renunciarmos a tudo o que é supostamente grandioso em troca de uma postura de simplicidade e de humildade. Quero aqui lembrar a todo o clero espalhado no mundo, que a pobrezinha de São João Del Rei tinha só um vestido para usar, ao passo que ouvimos dizer que muitos padres usam vestes bordadas com fio de ouro. Porque quem muito cuida das aparências pouco cuida de Deus em sua vida. E, como diz o Evangelho, “Quem ama a sua vida vai perdê-la; mas quem odeia sua vida neste mundo, vai alcançar a vida eterna.
