Artes liberais

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As Sete Artes Liberais, figura do 'Hortus deliciarum' de 'Herrad von Landsberg' (século XII)

O termo Artes liberais veio a significar estudos destinados a fornecer conhecimento geral e habilidades intelectuais, ao invés de habilidades mais especializadas ou "profissionalizantes". O conceito de arte dado por Aristóteles -- "a capacidade de produzir com raciocínio reto", ou ainda, "uma disposição suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira" ^[1] -- nos dá uma pista acerca do significado do termo designativo destas artes, uma vez o seu produto ser a liberdade humana. Segundo a autora da obra The Trivium, Irmã Miriam Joseph, estas artes, por meio de treinamento e aperfeiçoamento das faculdades humanas, ensinam ao indivíduo como viver. Em contraste às demais artes, aqui entendidas como artes ou ofícios utilitários (produção de utilidades que servirão às necessidade dos homens) e as sete belas-artes (produção de obras que terão o poder de elevar o espírito), o indivíduo elevar-se-á acima de seu ambiente material para viver uma vida intelectual -- racional --, portanto livre para adquirir a verdade.

Historicamente, as sete artes liberais englobavam dois grupos de estudo: o trivium -- ensino literário através das três artes da linguagem pertinentes à mente -- e o quadrivium -- ensino científico através das quatro artes da quantidade pertinentes à matéria. Apesar de o conceito de artes liberais vir do período clássico (antiguidade clássica), a divisão dessas artes em dois grupos foi dada somente na idade média.

[editar] O Trivium

'Retórica', 'Joos van Wassenhove' (século XV)

De acordo com a etimologia da palavra, trivium significa o cruzamento e articulação de três ramos ou caminhos e que conotam um cruzamento de estradas acessível a todos. Seus estudos incluíam a dialética e/ou lógica, ou a arte do pensamento, a gramática, ou a arte de inventar símbolos e combiná-los para expressar pensamento, e a retórica, ou a arte de comunicar pensamento de uma mente a uma outra. As artes do trivium provêem disciplina à mente, posto esta encontrar expressão na linguagem; têm como objetivo treinar a mente para o estudo da matéria e do espírito, que juntos constituem a substância da realidade. O fato é que a matéria tem como característica essencial o número e a extensão, aspectos respectivamente tratados pela aritmética e música, e pela geometria e astronomia (ou astrologia). Já o espírito é caractertizado apenas pelo número.

[editar] O Quadrivium

'Música', 'Joos van Wassenhove' (século XV)

O quadrivium -- cruzamento de quatro ramos ou caminhos -- traduz-se pelo estudo da matéria, incluindo, para isso, a instrução em aritmética, ou a teoria do número; em música, ou a aplicação da teoria do número; em geometria, ou a teoria do espaço; e em astronomia, ou a aplicação da teoria do espaço. Aqui, música é compreendida como o estudo de princípios musicais, tais como a harmonia, e deve ser diferenciada da música instrumental aplicada -- uma das sete belas-artes. Segundo o filósofo Olavo de Carvalho, a astronomia -- antigamente chamada pelo nome de astrologia -- dividia-se em astrologia esférica ("o estudo da esfera celeste") e astrologia judiciária ("uma especulação sobre as coincidências temporais entre o que se passa no movimento dos astros e os acontecimentos terrestres"^[2]). (Ver também estudos de Santo Tomás de Aquino ('De iudiciis astrorum, ad quendam militem ultramontanum' , astrologia).) O objetivo dessas artes da quantidade era prover meios para o estudo da matéria, a ser aprimorado nas disciplinas ditas superiores.

[editar] Estudos Superiores

'A Escola de Atenas' (1509), Raffaelo Sanzio (Rafael)

Essas disciplinas, nas palavras da Irmã Miriam Joseph, treinavam "a mente para o estudo da matéria e do espírito, que juntos constituem a substância da realidade". Formavam a parte central e preparatória do currículo das universidades medievais, preparando o aluno para entrar em contato com os estudos superiores -- a medicina, o direito e a teologia.

Como quaisquer outras artes normativas -- que ajustam ou regulam segundo um padrão ou norma^[3] -- as artes da linguagem são estudos práticos que visam ajustar a linguagem segundo uma norma: o pensamento segundo a verdade, as palavras faladas e escritas segundo a correção e a comunicação segundo a eficácia. Sendo assim, diz-se que a verdade é a norma ou a meta da lógica^[4](por meio da verdade chego à verdade, ou seja, por meio de um princípio afirmo ou desconfirmo um conhecimento obtido); a correção é a norma da gramática (dar o conceito, nome correto à idéia detida em espírito); a eficácia é a norma da retórica (adaptar a linguagem à circunstâncias, ou ainda, às platéias).

Para que possa penetrar níveis de conhecimento superior (ciências, metafísica e teologia), o indivíduo tem de ser capaz de pensar retamente, fazer uso correto das palavras e fazer uso eficaz das palavras (níveis de discurso). Isso se dá porque a educação ocorre, evidentemente, por meio da comunicação, ou seja, pelo encontro de duas ou mais mentes que possuem algo em comum. Isto significa que o Trivium, antes de mais nada, é um estudo básico que vai dar início a uma vida de aprendizagem - algo meramente provisório com o qual se adquire uma das cinco virtudes intelectuais.

[editar] As Cinco Virtudes Intelectuais

Santo Tomás de Aquino e Aristóteles, na ocasião em que (ao primeiro) foi dito: "Bene scripsisti de me, Thoma"

Assim como a linguagem é normalizada pelas artes da linguagem (posto estas serem campos do conhecimento e as técnicas para adquirir este conhecimento) o intelecto é aperfeiçoado pelas cinco virtudes intelectuais, duas práticas e três teóricas - a saber: compreensão, ciência, sabedoria, prudência e arte. A compreensão é o captar intuitivo dos princípios primeiros (o pensamento lógico e a investigação lógica); a ciência é o conhecimento das causas mais prováveis (psicologia, economia, sociologia, etc); a sabedoria é a compreensão das causas fundamentais (metafísica na ordem natural e teologia na ordem supernatural); a prudência é o pensamento reto concernente às ações (capacidade de agir segundo um pensamento reto); e, por fim, a arte é o pensamento reto concernente à produção (capacidade de produzir segundo um pensamento reto).

Apesar dessas virtudes serem desenvolvidas aleatoriamente, sem que uma seja pressuposto de outra, o Trivium vai lançar fundamentos, ou seja, capacitar indivíduos humanos para o "captar intuitivo dos princípios primeiros", com os quais estudem ciências superiores.

As cinco virtudes intelectuais permitem que homem assuma o duplo aspecto condicional que lhe foi dado ou confiado, isto é, a animalidade (aspecto prático; vida prática) e a racionalidade (aspecto teorético; vida espiritual), de modo que, pelo cruzamento destes aspectos, ele venha a agir racionalmente e intencionalmente segundo os fins. O caminho do homem é tornar-se homem -- conquistar a racionalidade --, atualizar na alma os fins das potências próprias a sua essência corpórea, deixando, desta forma, de ser indivíduo qualquer para se tornar espécie única (Balzacs, Platões, Wassermanns, Shakespeares) -- a "ver a vida resolutamente; a vê-la por inteiro"^[5].

[editar] Notas

^ PINTO DE CARVALHO, Antônio [et al]. Arte Retórica e Arte Poética. 17ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. p.233.
^ EDUCAÇÂO LIBERAL. Disponível em: www.olavodecarvalho.org Acesso em: 18 outubro 2001.
^ A ética, por exemplo, é um estudo normativo que ajusta ou regula a conduta humana segundo a bondade; sua norma é o bem.
^ Conferir Jo 8:32 e II Cor 13:8.
^ Matthew Arnold, “To a Friend”.