Varíola
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O vírus da varíola é um Orthopoxvirus, um dos maiores vírus que infectam seres humanos, com cerca de 300 nanometros de diâmetro, o que é suficientemente grande para ser visto como um ponto ao microscópio óptico (o único vírus que causa doença também visível desta forma é o vírus do molusco contagioso). Tem envelope (membrana lípidica própria). O seu genoma é de DNA e é dos mais complexos existentes. O vírus fabrica as suas proteínas e replica-se numa área localizada do citoplasma da célula hóspede, sendo um dos poucos vírus com essa capacidade de se localizar em corpos de inclusão de Guarnieri, ou fábricas. O seu genoma é de quase 100 000 pares de bases, um dos maiores genomas virais. O DNA é bicatenar (hélice dupla) linear e com as extremidades fundidas. Ao contrário dos outros vírus, ele contém dentro de si suficiente quantidade das enzimas necessárias à produção de ácidos nucleicos, e ao seu ciclo de vida, e utiliza apenas a maquinaria de síntese proteica da célula. Daí que é dos poucos vírus de DNA citoplasmáticos.
O vírus entra na célula por ligação a receptor membranar especifico e fusão do seu envelope com a membrana celular. Cada célula infectada é destruída com produção de 10000 novos virions.
O sistema imunitário responde ao vírus com uma reacção TH1 (citotóxica) destruindo as células infectadas antes que o vírus se replique. O vírus espalha-se de ligações que induz entre células vizinhas e portanto não é completamente acessível à neutralização com anticorpos. Produz proteínas que lhe dão resistência à resposta imunitária por interferão e complemento.
Índice |
[editar] Epidemiologia
A varíola matou quase 500 milhões de pessoas só no século XX. O último caso registado de varíola ocorreu na Somália em 1977 e o seu vírus hoje só é guardado em dois laboratórios governamentais bem vigiados, nos EUA e na Sibéria, Rússia. Este sucesso de erradicação só foi naturalmente possível porque o único hospede do vírus era o homem, pois o vírus é incapaz de infectar quaisquer outras células.
Era muito contagiosa. A sua transmissão dava-se através da saliva ou objetos (copo, prato e talheres) de pessoas contaminadas e pelas vias respiratórias (espirros e tosse).
Ultimamente tem havido preocupação com o seu possível uso como arma biológica por terroristas por exemplo.
[editar] Progressão e sintomas
Há dois tipos de varíola, a varíola maior (ou apenas varíola) e a varíola menor ou alastrim, com os mesmos sintomas mas muito mais moderados.
O período de incubação é de cerca de 12 dias. Os sintomas iniciais são semelhantes aos da gripe, com febre, mal-estar, mas depois surgem dores musculares e gástricas e vômitos violentos. Após infecção do tracto respiratório, o vírus multiplica-se nas células e espalha-se primeiro para os orgãos linfáticos e depois via sanguínea para a pele, onde surgem as pústulas típicas, primeiro na boca, depois nos membros e de seguida generalizadas. As pústulas podem ser tão numerosas que confluem, destacando grandes porções de pele do corpo, o que é geralmente fatal. A distinção da varicela é fácil pois na varíola todas as pústulas são semelhantes crescendo paralelamente, enquanto na varicela existem em vários estágios de maturação.
A varíola hemorrágica é uma variante sem pústulas, mas com hemorragias subcutâneas, nos olhos e nos orgãos internos, sendo invariavelmente fatal.
A taxa global de mortalidade da varíola maior era 40%, enquanto a do alastrim era de 2% apenas. A morte pode ocorrer por broncopneumonia.
Os sobreviventes ficam com marcas (cicatrizes) devido às pústulas e se estas surgirem na córnea podem ficar cegos.
[editar] Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico faz-se por análise pelo microscópio electrónico de líquido das pústulas. Os vírus são característicos e facilmente visíveis.
A varíola não tem cura. A única medida eficaz é a vacinação.
Foi erradicada por um programa de vacinação promovido pela OMS na década de 1970. A vacina é baseada na administração de vírus vivo vaccinia (o nome vacina vem do nome deste vírus já que foi a primeira vacina), aparentado da varíola. Este vírus leva à imunização eficaz mas numa pequena minoria de inoculados pode produzir sintomas graves como infecção generalizada, encefalite, febre, exantemas, e outros sintomas. A morte advém em 1 em cada milhão de inoculados. Este risco era claramente aceitável quando a morte devido à varíola era uma possibilidade, mas hoje que o perigo é inexistente ou mínimo a vacina já não é usada. Indivíduos idosos em todo o mundo foram vacinados antes de 1970 e portanto continuam imunes.
[editar] História
A varíola sempre foi a causa de epidemias mortíferas.
Foi ela a responsável mais provável da epidemia misteriosa catastrófica que em Atenas matou um terço da população segundo Tucídides, no ano de 430 a.C., século de Péricles, o que iniciou o declínio dessa civilização democrática. A doença era anteriormente desconhecida (Hipócrates não descreve nada parecido), e desapareceu novamente a seguir. A epidemia terá surgido de novo nos séculos II e III, matando grande proporção da população totalmente não imune do Império romano, como mais tarde faria na América, e sendo a factor principal do declínio dessa civilização. Segundo alguns autores conceituados (o historiador William McNeil entre outros) terá sido a queda da população de Roma e do seu império devido às doenças antes desconhecidas varíola, sarampo e varicela que diminuiu a população do império ao ponto de leis serem decretadas da hereditariedade das profissões, postos oficiais e redução à servidão dos agricultores antes livres, dando origem ao feudalismo. Nesta situação de debilidade, os povos germanos e outros terão encontrado a oportunidade de se estabelecer nas terras quase vazias devido à epidemia no império, de início com a aquiescência dos oficiais romanos, desesperados com a queda dos rendimentos fiscais. Só depois desta época terá sido a varíola frequente na Europa, e naturalmente atingindo as crianças não imunes, ao contrário das epidemias raras, que matam os adultos. A infecção das crianças, com morte das susceptíveis mas imunidade para as sobreviventes, é menos danosa para uma civilização que a de adultos já ensinados, donde se explicam os graves problemas criados em Roma pela morte de adultos que não tinham encontrado a doença nas suas infâncias.
Na China o panorama terá sido semelhante, e também aí caiu pela mesma altura o Império Han. Julga-se que estas doenças terão sido importadas simultaneamente nessa altura da Índia (onde é adorada desde tempos imemoriais a Deusa da Varíola, Sitala) para as duas grandes civilizações dos extremos da Eurásia, e não será talvez coincidência que foi precisamente nos século I e século II que as rotas comerciais para a Índia e a rota da seda para a China foram estabelecidas pela primeira vez, ligando as três regiões com grande débito de mercadorias e comerciantes.
A varíola foi uma das principais responsáveis pela destruição das populações nativas da América após a sua importação da Europa com Colombo. Juntamente com o Sarampo, Varicela e outras doenças, ela matou mais de 90% da população do continente, derrotando e destruindo as civilizações Asteca e Inca muito mais que Hernán Cortés e Francisco Pizarro alguma vez seriam capazes. No caso do Império Inca a morte do Inca (imperador) e dos seus sucessores imediatos pela varíola, que mesmo antes dos espanhois chegarem aos Andes, se tinha espalhado com extrema rapidez, levou o Império à guerra civil, logo no momento exacto, permitindo aos espanhois conquistá-lo.
Na Inglaterra do século XVIII ela era responsável por cerca de 10% dos falecimentos, e mais de um terço em crianças.
No início do século XVIII, prácticas de inocular crianças com vírus vivo da varíola prevalentes na China e Médio Oriente foram importadas para a Europa, inicialmente mais para Inglaterra. Julga-se que foi a mulher do famoso Embaixador do Reino Unido que roubou os relevos do Partenon para o British Museum, a senhora Mary Montagu, que trouxe a nova técnica praticada no Império Otomano para o seu país. Para convencer os seus concidadãos, a própria familia real inglesa foi inoculada publicamente. Recolhia-se pús de pústulas e com algodão introduzia-se numa pequena ferida. A mortalidade era de apenas 1%, já que o sistema imunitário tinha contacto mais cedo com o vírus e a sua resposta era mais vigorosa, muito melhor que o risco de apanhar varíola por contágio pulmonar, com mortalidade de quase 40%.
Edward Jenner em 1796 reparou que as mulheres que retiravam o leite às vacas não apanhavam varíola e descobriu que a sua imunidade devia-se à infecção não perigosa com cowpox (vaccinia ou varíola das vacas, da palavra em Latim para esse animal, vacca). Ele propagou a práctica de usar para inoculação antes o vírus vaccinia descobrindo a vacina contra a varíola, a primeira vacina criada. Esse método de imunização ainda se denomina hoje vacina devido ao vírus vaccinia.
Classificada como uma das enfermidades mais devastadoras da história da humanidade, a varíola foi considerada erradicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1980. A última epidemia na Europa foi na Iugoslávia em 1972, e o último caso conhecido ocorreu num homem do Sudão em 1977 (excepto um acidente de laboratório em 1978). Foi possível eliminar a varíola porque só os seres humanos lhe são hospedeiros, só há um serotipo (logo a imunização protege contra 100% dos casos), e a vaccinia é eficaz e como vírus vivo que invade ainda que debilmente células, provoca resposta imunitária vigorosa. Além disso a vacina é barata e estável.
No entanto, a doença voltou às manchetes de jornal, em virtude da suposição de que ela possa ser utilizada como arma biológica. Em consequência desses temores todo o pessoal militar dos EUA foi vacinado, assim como o presidente George W. Bush.
[editar] Vítimas famosas
- Ramsés V, Faraó do Antigo Egipto.
- Shunzhi, Imperador da China
- Maria II de Inglaterra
- Luís XV de França
- Pedro II da Rússia
- Isabel I de Inglaterra em 1562 e Abraham Lincoln em 1863 foram infectados mas sobreviveram.